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terça-feira, 23 de setembro de 2008


Uma Visão Histórica do Paradeiro dos Gnomos e Elfos, Faunos e Fadas, Duendes, Ogres, Trols e Bogies, Ninfas, Trasgos, e as Dríades, Presente e Passado.
por Buck Young


Há muito, muito tempo a Terra pertencia às criaturas da floresta. Por criaturas da floresta, entenda-se gnomos e elfos, faunos e fadas, duendes, ogres, trolls e bogies, ninfas, trasgos e dríades. Eles vigiavam-na e cuidavam dela, brincavam, dançavam e cantavam, tratavam dos animais feridos, resolviam disputas entre as espécies, sentavam-se em cima dos cogumelos, discutindo assuntos de importância, bebendo chá de Labrador, desciam pelas correntes de água montados em folhas e cascas de árvore, lançavam-se de árvores com sementes de dente-de-leão. Assim era o mundo onde a humanidade nasceu. Os primórdios, quanto o Homem não passava de um mero convidado recém-chegado que ainda não se tinha assenhorado de toda a casa, estão suficientemente documentados na literatura folclore de todo o mundo, por isso é desnecessário irmos por aí. O que me interessa agora, e aquilo que eu quero que prenda a vossa atenção é: para onde foram todos os Gnomos e Elfos, Faunos e Fadas, Duendes, Ogres, Trols e Bogies, Ninfas, Trasgos, e Dríades?

A fricção entre o Homem e as criaturas da floresta começou com a descoberta da agricultura. Com ela, a civilização floresceu e expandiu-se. As florestas garantiram o fornecimento de madeira para abrigar, enquanto os campos foram usados para o cultivo e as pastagens. A humanidade instalou-se. Já não era um visitante do mundo de outrem mas aquele que afastava definitivamente a vida selvagem da soleira da sua porta recém construída. De início, isto não constituiu um problema. Não havia muita gente, e todos consideravam ser justo alugar-lhes aqueles pequenos hectares para fazerem deles o que quisessem. Alguns até decidiram ajudar. Os gnomos mudaram-se para os celeiros, ajudando nas tarefas de jardinagem. Os espíritos dévicos dos vegetais ajudavam os humanos a organizar melhor as suas sementeiras, informando-os sobre a rotatividade dos cultivos, a correlação entre os ciclos lunares e planetários, o calendário agrícola, sobre a plantação de rabanetes quando a Lua está em Câncer, ou colheitas quando a Lua está em Touro. Muitos trolls sentiram que os montes de estrume eram uma mudança para melhor e, decidiram ficar por perto.

As restantes criaturas da floresta recuaram em direção ao interior das mesmas, pregando, ocasionalmente, partidas travessas aos novos colonizadores, tais como: azedando o leite, mudando a mobília, empurrando as vacas, fazendo cócegas na cara das pessoas durante o sono e, por vezes, roubando bebés, deixando troncos de madeira no seu lugar.

Mas o domínio do Homem espalhou-se (e espalhou-se e espalhou-se e espalhou-se) e as florestas foram ficando mais pequenas, e mais pequenas, e mais pequenas. Os seres começaram a amontoar-se nas florestas, enquanto que na civilização as coisas iam piorando. A maioria dos agricultores deixou de escutar os espíritos dévicos. Acharam que podiam aumentar as suas produções descurando as necessidades da Terra. Estavam a aumentar a produtividade, matando o solo. As petroquímicas estavam só a um passo. A maioria dos espíritos dévicos e dos gnomos fugiram. Os trolls ficaram. Hoje vivem, principalmente, debaixo das pontes e à superfície dos canais imundos sob as redes metálicas dos caminhos das quintas que as vacas temem passar. Certifiquem-se de buzinar antes de atravessarem um desses caminhos. Um troll pode estar pendurado na grade, balançando-se sobre a sua sala de estar, como é típico deles, depois de terem rolado na sujidade e no estrume. Se vocês não derem uma forte buzinadela, podem passar por cima dos seus dedos, e não é nada bom ter o vosso nome ou matrícula na lista de bosta dum troll.

Agora existe muito pouca superfície virgem e até essa vai encolhendo a uma velocidade incrível. Simplesmente, não existe espaço suficiente para todos os gnomos e elfos, faunos e fadas, duendes, ogres, trolls e bogies, ninfas, trasgos, e dríades.

Portanto, por onde andam eles?

Estarão mortos?

Não.

Então, para onde foram?

A resposta é um tanto surpreendente. Eles não desapareceram. Nós é que sim.

Os primeiros humanos tinham um conhecimento intuitivo do seu papel na natureza, tal como os ursos, os guaxinins e os ratos e todas as outras criaturas têm. Eles percebiam, através da vida selvagem à sua volta, que tudo tinha uma origem e que nada desaparecia. As coisas mudam de forma. A morte é necessária para que a vida continue. Eles ofereciam as suas mortes como sacrifícios aos deuses da natureza. Ofereciam louvores, orações, sacrifícios e canções ao espírito da natureza, ao irmão búfalo, ao irmão veado, ao irmão peixe e à irmã árvore.

Agora, nós sabemos que tudo o que alguma vez existiu, continua a existir, sob uma forma, ou outra, e tanto quanto podemos afirmar, eles estavam mais despertos para isso então do que nós estamos hoje. Portanto o sacrifício, a canção, o louvor, a oração não asseguravam a imortalidade do sacrificado, em corpo e em espírito. Isso já estava tratado. O que garantia, isso sim, era a continuidade da ligação entre o espírito do sacrificador e do sacrificado. Matar é um assunto arriscado. A membrana que separa o interior do exterior não é necessariamente tão densa ou tão difícil de definir como temos vindo a supor. Sempre que matamos, arriscamo-nos a matar a realidade daquela coisa dentro de nós mesmos, bem como no exterior. Arriscamo-nos a quebrar as ligações que conduzem para dentro e fora da membrana. Tirar a vida para alimentar a vida requer um aguçado conhecimento das leis naturais de dar e tirar. Quando perdemos esse conhecimento e desistimos das canções, do sacrifício, das orações, dos louvores, perdemos a ligação. Dar graças não chega.

Quando perdemos essas ligações, tudo perece – os peixes, os rios, as rãs, os ratos e até cada um de nós mesmos. Já não há forma de nos alcançarem. Os cinco sentidos que nos restam não são suficientes. Estamos a desistir dessa ligação em troca de desflorestação com máquinas de deslizamento, tornando as vacas em máquinas de leite e as galinhas em fábricas de ovos. Podemos fazer experiências com animais, agredir focas à mocada, vestir casacos de pele de marta, exterminar os pombos comuns selvagens (o pombo gregário migratório do Norte da América agora extinto), os dodós, as baleias, os ursos, os golfinhos e os condores. Sem uma pinga de culpa. As marcas foram todas ultrapassadas.

E estamos todos com a sensação de que são as florestas, as criaturas, os espíritos e as paisagens selvagens que estão a desaparecer do universo e não nós. Não é bem assim. Pensarem desta forma é o mesmo que dizer que se ficarem de pé, no extremo do tronco de uma árvore, se ela cair, vocês permanecerão em cima dele, imóveis. O Bugs Bunny talvez conseguisse escapar, mas nós não. Quando os fios de uma marioneta são cortados, o marionetista não se estatela no chão. Quando uma aranha parte os fios que ligam a sua teia à árvore, a floresta não cai.

Fomos nós quem se lançou em queda do mundo real para outro onde podemos levar avante os nossos sonhos distorcidos e estéreis, sem ameaçar a Terra e os seus habitantes. Já se questionaram sobre a razão por que as árvores, as pedras, os rios, as correntes, as aves, as cobras, os ursos e as rãs já não conversam connosco, tal como o faziam nas primeiras histórias dos nativos americanos, ou dos povos hindus, africanos ou nas histórias bíblicas? É por que nós já não estamos lá para o fazer. Cada desflorestação, cada vivissecção, cada massacre mecanizado de vacas, porcos, ou galinhas afasta o nosso mundo de sonho cada vez mais e mais da árvore, tornando ainda mais difícil a reunificação, que ainda é possível.

Algures, não muito longe daqui, no mundo real, as florestas antigas ainda permanecem de pé, os búfalos vagueiam pelas pradarias, o céu está cheio de condores, os veados brincam com os antílopes e os dodós erram pelo areal das praias, chocando com as coisas.

Onde quer que exista espaço virgem no nosso mundo de sonho, ainda existirá uma forte ligação: pontes, túneis e portais. De vez em quando, um viajante perder-se-á na vastidão e encontrar-se-á no mundo verdadeiro, voltando no dia seguinte para descobrir que passaram mais cem anos, ou até não voltando de todo.

Há, também, outras ligações efémeras: riachos, cascatas onde ainda se podem ouvir vozes do outro lado, se escutarem atentamente. Quando eles se sentam perto destas águas, ouvem tinidos estridentes e gritos. Quando consomem um cogumelo psilocibino (tem efeitos alucinógenios), tudo pára de brilhar e os condomínios erguem-se em vez de florestas. As nossas crianças podem ver o mundo deles nos seus sonhos. As crianças deles veêm o nosso nos seus pesadelos.

E há outra ligação: às vezes, agentes do outro lado infiltram-se no nosso mundo na tentativa de apressar a reunificação. Acreditem ou não, eles sentem saudades nossas. Às vezes, mais frequentemente do que imaginam, eles enviam almas até ao nosso mundo para nascerem como bebés humanos. Mais ou menos como um socialista, comunista ou anarquista a entrar na cena política americana e a correr para o escritório na tentativa de efetuar uma mudança interna. Há muitos por cá, neste momento: gnomos, elfos, faunos e fadas, Duendes, ogres, trolls e bogies, ninfas, trasgos, e dríades a correr em redor dos corpos humanos, fazendo coisas loucas, como escrever nas paredes, trabalhando em cooperativos, gerindo estalagens nas montanhas, falando sozinhos pelas ruas, fazendo cerâmica, ilustrando livros infantis, cravando árvores e fazendo explodir tractores. Estão a plantar jardins biodinâmicos, a sentar-se nos pátios em pelota, a discutir com Satã. Estão nos hospitais psiquiátricos encharcados em torazina ou nas salas de aula cheios de ritalina ou lítio. Vivem com os índios. Dirigem centros de reciclagem. Estão a iniciar revoluções, a corromper os jovens, a inventar teorias da conspiração paranóicas, a inventar religiões. Estão a realizar filmes, a engolir ácido, a beber para além da conta e a escrever poesia.

A transição do seu mundo para o nosso não é fácil. Envolve rituais intricados e encantamentos. A transição não é fácil para a alma. Muito fica perdido. No início, eles podem não fazer qualquer ideia do que, ou de quem são. Podem vir a descobri-lo ou não. Sabem, contudo, que são diferentes da maioria. Sabem que este mundo não é o deles. Recordar-se-ão, vagamente, de algo melhor, onde tudo fazia sentido e tudo funcionava como deve ser, onde o amor e a magia tinham o poder de curar.

Eles saberão que aquilo que faz as outras pessoas felizes, não o fazem a eles e que o que os faz sentirem-se felizes, fá-los sentir mais felizes do que qualquer outra pessoa viva.

Eles vêem coisas que os outros não podem ver, ouvem coisas que os outros não ouvem, sentem coisas que os outros não sentem e sabem coisas que os outros não sabem.

Ele rirão muito, chorarão muito, ou ambas as coisas.

Eles amarão os humanos individualmente, mas passarão um mau bocado com a humanidade como um todo, a qual pode, eventualmente, apresentar-se-lhe como algo abominável.

Eles terão uma mão cheia de amigos chegados, mas, muitas vezes, estarão sós.

Eles sentir-se-ão porventura ainda mais infelizes quando tiverem de se comportar como humanos e de fazer as coisas que os humanos fazem, quererem as coisas que os humanos querem, ou quando se convencerem de que são realmente humanos.

As coisas não serão fáceis para eles. Devido às suas memórias do outro lado, o mundo parecer-lhes-á um fantástico orgão a vapor com apenas alguns dentes na engrenagem e, devido a esta pequena deficiência, a música está toda desafinada, os cavalos chocam uns com os outros e as crianças estão assustadas, magoadas e a chorar.

As soluções parecerão óbvias e mais ninguém as ouve.

Eles serão repetidamente castigadas por gritarem “FOGO!” num teatro apinhado de pessoas; quando os edifícios estiverem em chamas, mais ninguém os conseguirá ver. Eles apanharão palmadas nos pulsos por apontarem na direção da “SAÍDA”, enquanto toda a gente anda às voltas, gritando e atropelando-se uns aos outros.

Eles mostrar-se-ão zelosos, fanáticos e didáticos em relação às suas crenças. Eles sentir-se-ão totalmente confusos.

Eles terão visões empolgantes e balbuciarão incoerências. Eles terão o dom da palavra. Eles tenderão a ter longos períodos de silêncio. Eles não fazem ideia de como dizer aquilo que pensam.

Eles passarão muito do seu tempo com crianças e animais.

Eles tornar-se-ão bêbados e amigos da droga, jardineiros orgânicos, produtores de sabão essênio, carpinteiros, loucos, mágicos, malabaristas e palhaços, físicos lunáticos, pintores e desenhadores de rabiscos, viajantes e vagabundos.

Eles vestir-se-ão com cores brilhantes, com camisolas desmazeladas ou todos de preto.

Eles fumarão demais, ou beberão demais. Eles comerão só comida macrobiótica. Eles tornar-se-ão viciados em Mountain Dew (bebida americana).

Eles serão frequentemente acusados de viver no seu próprio mundo de fantasia.

Eles darão grandes amantes. É verdade, até os trolls.

Eles passarão demasiado tempo a fazer amor, ou a pensar nele.

Eles falarão com objetos inanimados.

Eles terão olhos mais brilhantes do que todos os outros.

Eles esperarão que a sua magia funcione no mundo e que o seu amor cure e serão esmagados por esse mesmo mundo, muitas vezes, sem estarem à espera.

Muitas vezes ficará até muito perto de os matar.

Eles visitarão os lugares onde as ligações ainda existem: as cascatas, as montanhas, o oceano, a floresta. Eles atrairão todo o poder que têm e, por veze, às vezes, a magia acontece. E tudo será maravilhosamente fácil: os cavalos inclinar-se-ão graciosamente, para cima e para baixo e à roda, as crianças soltarão risadinhas e cantigas com os pauzinhos de algodão doce, tocando as suas faces e os seus narizinhos.

Eles passarão os seus dias tentando religar-se a um ramo que outros tantos milhões estão, ainda, ocupados a serrar. Muitas vezes, será mais do que eles poderão suportar.

Enquanto o resto da humanidade se encontra ocupada em encontrar uma nova e mais eficiente forma de deitar lixo na Terra, carregando simplesmente num botão, eles estão a salvá-la, punhado a punhado.

Eles partilharão da convicção comum de que são os únicos seres com sanidade num mundo de loucos.

Têm razão.

Este artigo foi escrito por Mat Jacobson sob o pseudónimo de Buck Young.

O artigo está sob a protecção de Melissa Tabbifli e pode ser encontrado no síte www.fantasyalternataive.org/tabbifli/writing/hope.html.

Um comentário:

petrucia finkler disse...

Noia querida! fazia muito tempo que eu não vinha no teu blog. Não sabia que além do teu trabalho vc tava usando o espaço para compartilhar textos tão bonitos e intrigantes.
saudades de ti
pezinha.